D. Pedro II (1825, Rio de Janeiro – 1891, Paris), D. Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança.

O imperador D. Pedro II, que governou o Brasil de 1840 a 1889, era um orientalista. Ele dedicou boa parte de sua vida a estudar línguas orientais, como hebraico, árabe, turco e persa, até – literalmente – a véspera de sua morte, e a colecionar livros e fotografias ligados ao Oriente; correspondeu-se com famosos especialistas, como Ernest Renan e Maxime du Camp; e visitou a região por duas vezes, em 1871 e 1876. Acompanhava também com profundo interesse os Congressos Internacionais dos Orientalistas e, inclusive, participou do terceiro deles, realizado em São Petersburgo, na Rússia, em 1876.

É de admitir que os seus interesses orientalistas devam-se, de certo modo, à sua mãe, D. Leopoldina, ou mais exactamente à sua biblioteca que D. Pedro herdou (BOJADSEN, 2006).
Ao se avaliar a vasta correspondência trocada entre o próprio Imperador e o conde de Gobineau, que serviu como ministro francês no Rio em 1870, já se percebe que o tema do Oriente se mostra onipresente. Gobineau quando de seu retorno à França comentou da reação dos orientalistas Ernest Renan e de Olivier Rougé à correspondência e lembranças enviadas por D. Pedro, por seu intermédio. Ao longo de cerca de onze anos, até a morte de Gobineau, em 1882, trocaram impressões sobre novas obras traduzidas – como o “Shahnameh”, de Julius Mohl -, sobre seus estudos de sânscrito e árabe, bem como sobre as obras publicadas por Gobineau nesse meio tempo, e descobertas arqueológicas orientais. Falam ainda das viagens de D. Pedro ao Oriente. Quando ainda organizava a primeira delas, ao Egito, em 1871, Gobineau lhe recomendava vivamente visitar a mesquita de Al-Azhar e que publicasse suas notas de viagens. Ambos trocaram ainda impressões sobre os egiptólogos Auguste Mariette e Henrich Brugsch, com quem D. Pedro se encontrou no Cairo (READERS, 1938, pp. 59-61). Foi justamente na companhia de Gobineau que D. Pedro II vistou Constantinopla (ocasião em que se encontrou com o Sultão Abdul Hamid II) e Bursa, em terras otomanas, no final de 1876.
Por fim, da Coleção Teresa Cristina, originária da coleção pessoal de D. Pedro II, actualmente sob guarda da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, não só se percebe o verdadeiro diálogo do Imperador com sua coleção – escrevendo comentários nos versos das fotos ou nas margens dos livros -, como o quão atualizado se mostrava quanto as principais publicações e os debates correntes. Encontra-se ali a quase totalidade dos clássicos orientalistas da segunda metade do século XIX e boa parte das fotografias dos famosos fotógrafos do Oriente de então, como Félix Bonfils e Pascal Sébagh.
Em seus diários, publicados (FEINGOLD, 1999) e na forma de CD-Rom pelo Museu Imperial de Petrópolis (BEDIAGA, 1999), percebe-se que D. Pedro II, de fato, empenhara-se em adquirir fotografias e publicações, como também estudava seu material. Em novembro de 1871, por exemplo, comentava do encontro que tivera em Alexandria com Mohamed Bey, acadêmico árabe discípulo de François Arago, que lhe dera “diversas publicações suas entre as quais uma memória, onde ele quer que as pirâmides tivessem sido construídas em honra de Sothis (Sirius)”. Já em novembro de 1876, comenta da fotografia que ganhou do argelino Abd-el-Kader em troca da que havia lhe dado. E, ao visitar os colossos de Abu Simbel, no Egito, escreveu em seu caderno, impressionado: “os desenhos, as fotografias que havia visto não me proporcionavam uma ideia mesmo que longínqua do que havia experimentado assim que me aproximei daquele monumento”.
D. Pedro II foi tradutor do hebraico de “Piutim: Poésies hebraïco-provençales du rituel israélite comtadin” (Avignon, 1891). É lhe também atribuído o apoio à primeira tradução do Alcorão no Brasil (SIDARUS, 2000). Pesquisas recentes deram a conhecer o início do processo tradutório dos contos de Mil e Uma Noites, empreendido por D. Pedro II (KEMNITZ, 2015).
D. Pedro II representa um Orientalismo peculiar, que não envolvia o desejo de domínio político da região. Decorria de um interesse herdado do lado Habsburgo de sua família; de uma paixão incentivada pela profunda amizade que desenvolveu com o conde de Gobineau; e também de um esforço de acompanhar de perto, e a altura, a tendência intelectual europeia de seu tempo. É também provável que se interessasse pelos erros e acertos do Oriente por ver ali certa similaridade com dificuldades que o Brasil, um “império periférico” (SOCHACZEWSKI, 2012) enfrentava, como a questão da construção de estradas de ferro, que fez questão de inspecionar no Egito, e o desenvolvimento de instituições científicas e educacionais, que também visitou em Constantinopla. Mesmo ciente do interesse de populações do Médio Oriente de emigrarem para o Brasil, mesmo cristãos sobreviventes de massacres sofridos no Líbano e na Síria, como escreve textualmente em seu diário quando da visita a Damasco, nada de concreto fez para incentivá-los, ou para acolhê-los.
O Oriente para D. Pedro II era uma paixão, mas somente no âmbito intelectual.
M.S.
Bibl: BEDIAGA, B., org (1999); BOJADSEN, A. coord. (2006); BRAGANÇA, P. de (1891); FEINGOLD, R. (1999, passim); KEMNITZ, E-M. von (2015, no prelo), pp. 37 -59; LOEWENSTAMM, K. (s/d); READERS, G. (1938); SOUSA, R. de (2014), Tese de Mestrado; SIDARUS, A. (2000), pp 277-280; SOCHACZEWSKI, M. (2010), pp. 73-91; Idem,(2012), Tese de Doutorado.