Álvaro Semedo

SEMEDO, Álvaro (1585, Nisa – 1658, Cantão), escritor e missionário jesuíta da Vice-Província da China

40
Semedo retratado por Massimo Stanzione, Roma 1641

Admitido no noviciado da Companhia de Jesus, em Évora, no ano de 1602, Semedo já se encontrava em Macau, indigitado para a Missão da China, dez anos mais tarde, após uma breve estadia de cerca de três anos em Goa, onde concluiu o seu percurso académico e foi ordenado padre. Passou de Macau à China continental em 1613, com cerca de 28 anos, altura em que iniciou a aprendizagem da língua chinesa. Durante os 45 anos que se seguiram, Semedo foi acumulando conhecimento e experiência da China dos últimos anos da dinastia Ming (1368-1644) e primeiros da Qing (1644-1911). Ao estudo da língua, juntou a vivência em várias partes do país. Assim, acabou por se tornar, segundo escrevia por volta de 1640, praticamente “naturalizado”, já com dificuldades em recordar as suas origens, isto é, “natureza, língua, trajes e costumes”.

Semedo notabilizou-se no seu papel de procurador da missão da China à Europa, cargo que o levou a um afastamento daquele país, entre 1637 e 1645. Nesse espaço de tempo, o procurador visitou várias cidades europeias, de Évora, onde se tornara jesuíta, a Lisboa e Coimbra, em Portugal; mas igualmente Madrid, Bordéus, Londres ou Roma, entre outras. Nessa última cidade, Semedo foi retratado, envergando as suas vestes de seda, ao modo dos jesuítas da China, e segurando nas mãos um pincel e um livro com pretensos caracteres chineses. É precisamente neste contexto do seu périplo europeu que surge a obra que confere a Semedo um lugar de destaque entre os autores que, no século XVII, mais contribuíram para o desenvolvimento da imagem europeia da China. Com efeito, em 1642, saía pela primeira vez do prelo, em Madrid, o livro Imperio de la China y Cultura Evangelica en él. Composto em parceria com Manuel de Faria e Sousa (1590-1649), o seu editor, o livro surgiu em língua castelhana, de modo a alcançar uma audiência mais vasta. Rapidamente a obra foi traduzida e restruturada nos círculos jesuítas de Roma, dando origem a uma edição italiana, publicada logo em 1643, sob o título Relatione della grande monarchia della Cina. A partir desta última foram preparadas as edições seguintes, nomeadamente a francesa de 1645 (Histoire Universelle du Grand Royaume de la Chine, Paris) e a inglesa de 1655 (The History of that Great and Renowned Monarchy of China, Londres). Ao longo do século XVII, o livro foi, assim, publicado em quatro línguas diferentes, num total de pelo menos oito edições. Apenas em meados do século XX, esta obra foi editada em português, após a tradução da versão italiana, então empreendida por Luís Gonzaga Gomes (Relação da Grande Monarquia da China, Macau, 1956; reeditado 1994).

Embora este seja o mais extenso e influente contributo de Semedo, a sua produção textual sobre a China não se circunscreveu a ele, já que se conhecem cerca de trinta cartas e relatos deste jesuíta (redigidos entre 1618 e 1657), quase todos manuscritos, nos quais regista um conjunto de informação adicional sobre aquele país. Importa ainda sublinhar que lhe é atribuída a autoria de dois dicionários, um de Português-Chinês e outro de Chinês-Português.

41
Folha de rosto da primeira edição de Imperio de la China y cultura evangelica en èl (Madrid, 1642), 360 pp.
42
Folha de rosto da edição italiana, Relatione della Grande Monarchia della Cina (Roma, 1643), 309 pp.
43
Folha de rosto da primeira edição portuguesa (Macau, 1956)

Semedo proporcionou um significativo manancial de notícias sobre a China, quer através das suas cartas e relatos, quer sobretudo através do seu livro. Neste último, Semedo dedicou à China Ming cerca de 200 páginas da edição castelhana (a que se acrescentam cerca de 160 sobre a actividade dos jesuítas na missão chinesa), nas quais procurou revelar uma imagem mais realista da China, expurgada das fantasias que afirmava persistirem sobre ela na Europa dos meados do século XVII.

De um modo geral, este livro surge em linha de continuidade com obras anteriores, tanto em termos de formato ou estrutura, como em muitos dos tópicos abordados. Semedo vai, no entanto, actualizar, corrigir e desenvolver um amplo leque de conhecimento, num texto que se caracteriza, pela sua clareza, rigor e narrativa atractiva, repleta de curiosidades e pequenas histórias destinadas a prender a atenção de um público europeu interessado no Oriente.

Uma imagem extremamente favorável da China e dos chineses, própria da produção europeia dos séculos XVI e XVII, ressalta no Imperio de la China (como no restante corpo documental de Semedo). De facto, aí vemos enaltecidos os habituais aspectos da grandeza territorial e demográfica da China, do seu desenvolvimento económico e comercial, ou da sua dimensão intelectual, com a associação entre o saber e o poder político e o respectivo estatuto sócio-económico, a par da difusão da imprensa e dos livros; mas igualmente se observa o elogio de outros aspectos menos comuns, como da arquitectura. Semedo contrabalança, porém, este registo favorável com críticas a elementos que julga menos positivos e que extravasam o domínio da religião e da superstição. Assim sucede no caso da imensidão de pobres contrastante com a riqueza geral do país, das artimanhas dos negociantes chineses, da prática feminina de enfaixamento dos pés, da ineficácia defensiva da Grande Muralha ou do desinteresse dos chineses pela arte e tecnologia da guerra que resultara na sua debilidade face à ofensiva manchu.

O contributo de Semedo para um melhor conhecimento da China é perfeitamente patente em tópicos como o da língua chinesa e da escrita, que desenvolve particularmente. É igualmente visível em questões como a do percurso de estudos e sistema de exames, em que do mesmo modo inova e pormenoriza relativamente a autores anteriores. No seu todo, a informação transmitida por Semedo, tanto de forma directa, como indirecta (pela integração ou reprodução em obras de outros autores), confere a este jesuíta português um lugar de destaque no âmbito do conhecimento europeu da China que se estava então a processar a um ritmo sem precedentes.

IMP

Bibl.: LACH, D. e KLEY, E. J. (1993); LÖWENDAHL, B. (2008), pp. 20-79; CHEN M.-S. (1978), pp. 20-79; MUNGELLO, D. E. (1985), pp. 76-90; PINA, I. Murta (no prelo); ROMANA, M. Salvado Pinto Pereira Barras (2003); ZHANG, M. (2007), pp. 132-140.